Sartre faz uma apresentação de quase 60 páginas na edição do livro "Nossa Senhora das Flores" de Jean Genet, que tenho em mãos. O que poderia ser um pouco maçante, se torna quase fundamental na preparação para o que está por vir. Neste texto mais que introdutório, ele faz um divisão para melhor analisar os diversos aspectos que o fazem considerar esta obra uma das três grandes obras "medievais" do século XX.
Escrevendo no interior de uma cela, Genet fala sobre transgressão, imoralidade, vida, onanismo, solidão e palavra. Pois bem, os trechos aqui selecionados fazem parte da segunda parte intitulada: "As palavras" e falam (literalmente) sobre a atividade individual-mundana-condenada que é o ato de se masturbar.
"Não é por acaso que a palavra acompanha o ato masturbatório, que Gide mostra Boris murmurando sua fórmula evocadora como um "Abre-te Sésamo": o onanista quer reter a palavra como um objeto. Quando repetida em voz alta ou num murmúrio, imediatamente (ela) adquire uma objetividade e uma presença que faltavam ao objeto. A imagem permanece um tanto ausente; na realidade não a vejo, nem a ouço bem. Sou eu quem me canso tentando retê-la. Mas, se murmuro a palavra, posso ouvi-la, e se consigo me esquecer de mim mesmo quando a palavra sai da minha boca, se consigo esquecer que fui eu quem a pronunciou, posso ouvi-la como ela estivesse emanando de outra pessoa e na verdade como se ela estivesse soando por si própria". (pg. 21)
" A enunciação dos prazeres proibidos é uma blasfêmia. O homem que se masturba humildemente, sem emitir uma palavra, ou que está por demais preocupado com o que sua mão está fazendo, está perdoado em parte; seu gesto se dissolve na escuridão. Porém, se for enunciado, torna-se o gesto do masturbador uma ameaça à memória de todos. A fim de aumentar seu prazer, Genet o enuncia. Para quem? Para ninguém e para Deus. Para ele, como para os primitivos, a palavra possui virtudes metafísicas. É perverso, é delicioso que uma palavra obscena ressoe na semi-obscuridade da cela, que surja do buraco negro das suas cobertas. A ordem do universo é desta forma desbaratada. Uma palavra dita é palavra como sujeito: ouvida, é objeto." (Pg. 22)
Jean-Paul Sartre in
Genet, Jean -Nossa Senhora das Flores, Nova Fronteira.
Ilustração de André Breton
Um comentário:
Seríamos nós,que escrevemos, onanistas da palavra? Escrevemos para nós mesmos? E quem escreve e lê, seria o exibicionista da palavra? fiquei confusa. Mas Sartre não veio mesmo para explicar.
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