Na ânsia de fazer alguma maldade com o pintor, que no momento faz um serviço primoroso, porém lentíssimo em minha casa, pensei na palavra supositório. Supositório é uma forma de medicamento que só quem sofreu ou sofre bullying opta em utilizar. A maioria das pessoas prefere baixar na emergência de um hospital e tomar o que for, de forma intravenosa, do que colocar um teleguiado medicamentoso por via suspeita. Na verdade, o supositório inspira emoções contrastantes do tipo ame ou odeie. Conheço alguns sujeitos que falam maravilhas sobre o efeito rápido na corrente sanguínea, e de como na geladeira nunca falta um (sim, eles devem ser guardados em ambiente refrigerado, naquela parte ali onde ficam as superbonders, os sachês de catchups e os ovos). Outros só faltam se benzer quando ele é receitado e raros são indiferentes. A maior parte odeia e ponto.
Pois bem, pensei em supositório. Poderia ter parado por ai, mas não, neurotransmissores trabalharam de forma árdua para que SUPOSITÓRIO ganhasse vida em minha mente. Fui da minha casa à PUC refletindo na semântica híbrida desta palavra. Me lembrei de sanatório, que é um estabelecimento onde a grande maioria procura tratamento para doenças ou psicopatias. Por analogia, o supositório, então, poderia ser um estabelecimento onde as pessoas vão para tratar suas suposições. Acho justo nos dias de hoje. Muito se pensa, muito se diz e muito se supõe... nada melhor do que um local próprio para tal atividade. Porém, para mim, seria possível haver um supositório doméstico, uma espécie de urna, em casa, na qual você guarda suas conjecturas. Seria interessante se fosse vendido na papelaria, por exemplo, ou em clínicas de psicanálise. De posse do seu, seria permitido a cada individuo customizá-lo a seu bel-prazer.
A aula acabou, e a questão cônica se recusava a ir embora do meu pensamento. A profusão de ligações era tanta, que tive que chegar em casa e fazer um levantamento de dados sobre a origem latina e o emprego da palavra supositório. Eis que um universo muito diversificado surge à minha frente.
Segundo o Aurélio:
Supositório: [Do lat. suppositoriu.] 1.Farm. Forma farmacêutica sólida, cônica ou cilíndrica, que se introduz pelo ânus e que, ao derreter-se, libera medicamento(s) a ser(em) absorvido(s) pelo reto.
Até ai nenhuma novidade para ninguém. Diferente do que eu imaginava, o radical do latim não é o mesmo do verbo Supor (Do lat. Supponere), no entanto, é possível empregar o uso da palavra supositório na norma culta, como vamos ver no questionamento, diga-se de passagem, muito válido, de Fátima Alves, de origem lusa, no site Ciberdúvidas da língua portuguesa:
É correcto dizer esta frase: «Ontem vi o programa dos animais do futuro e achei tudo muito supositório»? Esta última palavra derivará da palavra suposição. Será possível? Agradeço resposta breve, pois aqui no escritório já me chamam doida. Serei?
C.M, um exímio conhecedor do verbo e do medicamento, discorreu em auxílio à nossa amiga acima, que já na pergunta sofre de suposições, e bullying em ambiente de trabalho:
Resposta a Supositório: além de «medicamento sólido, significa «baseado em ou que contém suposição; supositício, hipotético, suposto» (in Dicionário Eletrônico Houaiss). Portanto, não existe qualquer incorre(c)ção na frase «Ontem vi o programa dos animais do futuro e achei tudo muito supositório». No entanto, deve ter sempre em conta, ao utilizar uma palavra, a acepção em que ela é mais utilizada e conhecida e, na verdade, a maioria dos falantes conhece e utiliza a palavra supositório apenas com o sentido de «medicamento sólido...». Talvez por isso o Dicionário da Porto Editora refere só a acepção relativa à área dos medicamentos; e diz ainda que supositório vem «do latim 'suppositoriu-', "que se põe por debaixo"».
Deveria me dar por satisfeita, mas ainda faltavam elementos para acalmar meu fervor de conhecimento. Eis que adentro o maravilhoso mundo altruísta e filantrópico do Yahoo answer, mundo este que me fascina muito. Lá encontrei um jovem rapaz que confirmava minha teoria sobre o preconceito e chacota. A pobre criatura angustiada suplicava por uma resposta: “eu sempre escuto falar, e as pessoas dão muitas risadas e sempre quando pergunto disfarçam, dizem que sou muito novo. Me expliquem, por favor!!!!!”. Pior que ele, outro rapaz descreve uma intercorrência durante a aplicação medicamentosa, e termina com a dúvida cruenta: “Serei eu gay?”
Já tinha encontrado material suficiente para minhas teorias revolucionárias e já tinha, até, incluído a palavra supositório no meu vocabulário (“Acho supositório o pintor dizer que entrega nossa casa no final do mês” ou “Nesta vida tudo é supositório”) quando Portugal me apresenta duas pepitas de joy, mostrando que quem tem problemas com essa palavra somos nós, brasileiros. Eles têm uma receita de “Frango a Supositório”, que segundo o chefe, é um clássico, e que o Diogo(??) aprova. A receita consiste em pegar limão, bacon e azeitonas e introduzir no fofó (momento meigo) da galinha juvenil. Parece gostoso. E por último, a matéria no Presseurop sobre a mais nova ameaça anal disparada por portáteis que Osama criou. A manchete escolhida para esclarecer ao mundo esta barra pesada foi: “Como lutar contra os supositórios assassinos.” O que remete, automaticamente, a uma espécie de filme de terror C, onde supositórios caem feito mísseis do céu, ou te perseguem em casa, podendo se multiplicar na sua geladeira.
Enquanto um avião não é explodido de forma peculiar, enquanto os muros do preconceito e do bullying não caem, enquanto eu não me torno adepta desta posologia e, principalmente, enquanto o pintor não acaba esta obra enlouquecedora, essa Capela Sistina caseira, a única coisa que me resta é fazer a receita, chamar os amigos e comer. Poxa.
Foto de: www.corbisimages.com
4 comentários:
Julia Liberati curtiu isso.
Animais do futuro S2
Rá! Tô sofrendo de hipocurtição. É sério!
é supositório pensar que a menina divaga, e muito?
quero provar esse frango!
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