“As mulheres eram o que as lojas almejavam conquistar quando competiam entre si, era para elas que eram concebidas as pechinchas-armadilhas, após seduzi-las com seus displays. Eles haviam provocado nelas novos desejos, eles agora eram tentações gigantescas às quais as mulheres iriam fatalmente sucumbir, primeiro, atraídas pelas compras compatíveis com uma boa dona de casa, depois rendidas à vaidade e, finalmente, ardendo de vontade.” *
Da última vez que fui a São Paulo, acabei ficando mais tempo do que de costume, o que me permitiu, em pequena escala, observar a rotina do maravilhoso edifício Marcos. Um dia antes do meu retorno tortuoso para o balneário de San Sebástian fui ajudar a fazer as compras para a festinha de aniversário da Julia. Achei que iríamos no bom e velho Pão de Açúcar, que fica na esquina, mas, quando cheguei da rua, descobri que ela tinha planejado ir em um muito maior, e com preço mais em conta. Me veio à memória, agora, que esse dia foi realmente especial no quesito compras: estava de posse de 3 rolos de papel de parede, Dani, irmão dela, tinha um Hd externo e juntos compramos um baralho para passar a tarde jogando.
Pegamos um táxi e fomos para um shopping, o que do meu ponto de vista de carioca, mentalidade restrita zona sul, já é diferente: nunca fui em um mercado dentro de um shopping center, quer dizer, já fui em um que se chama Master, mas é no subsolo, que é mais aceitável do que um do lado de uma loja Riachuelo. Passado o estranhamento inicial, e depois de ter dado uma verificada nas novidades do comércio paulistano, entramos no supermercado Zaffari com seus caixas de madeira estilo bávaro-gaúcho. No primeiro momento, confesso que banquei a blasée e nem dei muito bola para a sessão de toalhas, capachos e recipientes plásticos para geladeira e microondas. O tsunami bovarista só me acometeu quando cheguei à parte das ferramentas, e pensei em frações de segundos tudo que eu precisava para: lixar, polir, aparafusar... além de pequenas furadeiras para ambidestros com dislexia motora na falangeta esquerda.
O caso ficou sério mesmo quando cheguei à parte dos gelados e higiene. Tal qual um alpinista que conquista o monte Everest, me ajoelhei diante de uma embalagem de milho doce (de verdade, e não Jurema) semipronto para aquecimento rápido yeah. Meu entusiasmo era tanto que peguei dois e fui atrás de meus amigos para mostrar a relíquia. A Ju (ela mora lá) não deu muita bola, mas Dani (ele mora aqui) ficou tocado, eu senti. Estava decidida a prepará-los ainda naquela noite, mas, como não sou muito fiel quando se trata de compras, virei um corredor e dei de cara com várias prateleiras com toda sorte de produtos de limpeza. Rapidamente desovei os milhos (que até aquele momento eram minhas paixões) em uma gôndola, onde repousavam mini-cenouras, médias cenouras e cenouronas cortadas de diversas maneiras (origami), para poder ir ao encontro de um desodorante toque de pétala de gerânio lilás com nano cápsulas hidratantes, e um shampoo de embalagem ergonomicante eco friendly com bico dosador desenvolvido para climas tropicais úmidos (não entope e é anti frizz). Tinha me dado por satisfeita, até ver imensas pilhas de tomates pelati – “Que arte incrível a de empilhar”, pensei eu – , não resisti e liguei para casa, acordando meu pai: “Estou no lugar mais fantástico de todos os tempos! Você TEM que vir aqui ver com seus próprios olhos na sua próxima estadia garoense lírica!”, porém isso não foi suficiente como válvula de escape para tanta euforia. Tive que mandar uma mensagem para um amigo para relatar a variedade de patês para cachorro, e um e-mail para uma prima falando sobre a cascata de petit-fours na sessão de patisserie. Me arrependi de não ter levado máquina fotográfica quando passei pelos vitrais feitos com detergente. Queria também ter posado ao lado dos laticínios, só assim povo lá de casa teria acreditado em mim. Nem falo na sensação de olhos marejados ao passar em frente a uma embalagem azul de cereal matinal em formato de arroz, com umas figuras segurando uma colher dentro do prato. Não consigo me lembrar o nome, mas era ele mesmo, ali, na minha frente, feito uma miragem direto dos anos 80.
Meu tour só chegou ao fim quando adentramos o recôncavo etílico, e eu junto com meu parceiro de consumo saímos de lá abraçados a quatro países (predominância irlandesa) representados por suas cervejas. No caixa, ainda dei uma olhada por alto para conferir a lenda urbana que me chegou na adolescência, quando diziam que Kit-Kat era vendido em São Paulo, mas não vi nenhum por lá naquele dia. Com uma certa estafa jubilosa, saímos de lá para arrumar a festinha - era necessário voltar à vida!
Esses dias mandei lembranças para o Zaffari. Perguntei como estavam aqueles produtos show e suas disposições nas prateleiras, além, é claro, do quesito empilhamento de latas, paralelismo de garrafas e congruência de iogurtes. Me informaram que estava tudo de acordo com os padrões, o que me deixou com uma vontade enorme de voltar lá o quanto antes. Enquanto não há data marcada para o retorno, só penso em duas coisas: o programa Super Market, que passava na Band, deveria voltar, e eu tinha muito que participar! Aliás, isso eu sempre soube, porque só uma lavagem cerebral como essa na infância pode fazer pessoas ficarem tão fora de si ao entrar num supermercado. Ah, mas pensando bem, na infância tinha as caixas registradoras.... e as moças que etiquetavam os produtos de patins... Ok, supermercado sempre foi um paraíso e eu uma caipira consumista. Fim.
“Quando saíssem da loja, ele costumava dizer, suas clientes deviam estar
com as retinas esgotadas“ **
O bigode, atropelamento de cameras, amaciante para ajudar a esposa, o questionamento da Julia: porque sempre tantas ervilhas congeladas? - este programa era mágico:
* e ** - Emile Zola in Au bonheur des dames.
* Para minha amiga Julia, que me apresentou este estabelecimento. Fui muito feliz lá, graças à você.
* Para minha amiga Julia, que me apresentou este estabelecimento. Fui muito feliz lá, graças à você.
2 comentários:
sensacional!
eu sou uma apaixonada por supermercados, tenho um frenezi consumista que me tira do sério quando entro em supermercados incríveis como esse q vc descreveu, é uma mistura de euforia com sofrimento por não poder comprar todas aquelas maravilhas.
ai, agora queria morar em são paulo só pra poder fazer compras nesse mercado surreal, rs
ah! e eu via esse programa também, sempre queria participar! hahahahah
O bovarismo existe, ma chère. Você praticamente cresceu no shopping da Gávea, como não seria imersa nele? Também sou fascinada por pilhas e as coleções, então...? É uma forma de arte contemporânea, não é?
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