segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Era uma vez... ou Magritte ,de novo



Era uma vez na Travessa do Shopping Leblon, em dezembro, para ser mais precisa. Estava eu me presenteando com alguns livros, quando pedi ajuda a um vendedor, já que minha dislexia não me permitia transitar com facilidade por aquela arrumação que não faz sentido algum. O rapaz, muito solícito, arrumou tudo que eu queria, e por coincidência só havia escritores argentinos em minhas mãos: era um natal Portenho. Quando viu minha pequena pilha, ele me sugeriu um livro, coisa que é pouco habitual para mim, e ainda mais estranha porque invariavelmente não aceito indicações. De alguma forma o rapaz entendido em literatura, e cheio de boa vontade, me conquistou, e acabei levando o que ele tinha dito enfaticamente que iria adorar (a última vez que ouvi um "você vai adorar" li um livro em que pratos de leite e ovos eram coadjuvantes de cenas tórridas de sexo). O livro em questão era "O túnel" de Ernesto Sabato, e foi devorado em dois dias, como fazia tempo não devorava livro algum. " O túnel" é daqueles livros que, quando finalmente acaba, traz aquela sensação de vazio, de puxa, já?!. A história não é edificante, a narrativa não é exuberante, mas de alguma forma te prende. O leitor vive a angústia daquele homem que julga ter encontrado sua cara-metade, e tenta compreender até onde aquilo tudo é um jogo montado por ela, ou se é a simples obsessão dele que vai em um crescendo onde a realidade é refém do desejo de posse dele. Até hoje tenho vontade de agradecer ao vendedor de livros (nome de bestseller isso, não?) por essa rica indicação. Encontrei-o na Flip, mas fiquei com vergonha de falar com ele, ia soar filme comédia romântica de terceira categoria, e longe de ser o caso. Em um outro momento, quem sabe, me sentirei à vontade de trocar até impressões sobre o livro. No momento, deixo aqui o porquê do título, que é lindo demais:

"(...) em todo caso, havia um só túnel, escuro e solitário: o meu, o túnel em que transcorrera minha infância, minha juventude, toda a minha vida. E num desses trechos transparentes do muro de pedra eu tinha visto essa moça e tinha pensado ingenuamente que ela vinha por outro túnel paralelo ao meu, quando na realidade pertencia ao vasto mundo, ao mundo sem limites dos que não vivem em túneis; e talvez tenha se aproximado por curiosidade de uma de minhas estranhas janelas e entrevira o espetáculo de minha inescapável solidão, ou tenha ficado intrigada com a linguagem muda, a chave de meu quadro. E então, enquanto eu avançava sempre por meu corredor, ela vivia, fora, aquela vida curiosa e absurda em que havia bailes, e festas, e alegria, e frivolidade. E às vezes coincidia de eu e passar diante de uma de minhas janelas e ela estar à minha espera, muda e ansiosa (por que à minha espera? por que muda e ansiosa?); mas às vezes ela não chegava a tempo ou se esquecia deste pobre ser enclausurado, e então, com o rosto apertado contra o muro de vidro, eu a via ao longe sorrir ou dançar despreocupadamente ou, o que era pior, não a via em absoluto e a imaginava em lugares inacessíveis ou vis. E então sentia que meu destino era infinitamente mais solitário que o imaginado".


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