
Era uma vez na Travessa do Shopping Leblon, em dezembro, para ser mais precisa. Estava eu me presenteando com alguns livros, quando pedi ajuda a um vendedor, já que minha dislexia não me permitia transitar com facilidade por aquela arrumação que não faz sentido algum. O rapaz, muito solícito, arrumou tudo que eu queria, e por coincidência só havia escritores argentinos em minhas mãos: era um natal Portenho. Quando viu minha pequena pilha, ele me sugeriu um livro, coisa que é pouco habitual para mim, e ainda mais estranha porque invariavelmente não aceito indicações. De alguma forma o rapaz entendido em literatura, e cheio de boa vontade, me conquistou, e acabei levando o que ele tinha dito enfaticamente que iria adorar (a última vez que ouvi um "você vai adorar" li um livro em que pratos de leite e ovos eram coadjuvantes de cenas tórridas de sexo). O livro em questão era "O túnel" de Ernesto Sabato, e foi devorado em dois dias, como fazia tempo não devorava livro algum. " O túnel" é daqueles livros que, quando finalmente acaba, traz aquela sensação de vazio, de puxa, já?!. A história não é edificante, a narrativa não é exuberante, mas de alguma forma te prende. O leitor vive a angústia daquele homem que julga ter encontrado sua cara-metade, e tenta compreender até onde aquilo tudo é um jogo montado por ela, ou se é a simples obsessão dele que vai em um crescendo onde a realidade é refém do desejo de posse dele. Até hoje tenho vontade de agradecer ao vendedor de livros (nome de bestseller isso, não?) por essa rica indicação. Encontrei-o na Flip, mas fiquei com vergonha de falar com ele, ia soar filme comédia romântica de terceira categoria, e longe de ser o caso. Em um outro momento, quem sabe, me sentirei à vontade de trocar até impressões sobre o livro. No momento, deixo aqui o porquê do título, que é lindo demais:
"(...) em todo caso, havia um só túnel, escuro e solitário: o meu, o túnel em que transcorrera minha infância, minha juventude, toda a minha vida. E num desses trechos transparentes do muro de pedra eu tinha visto essa moça e tinha pensado ingenuamente que ela vinha por outro túnel paralelo ao meu, quando na realidade pertencia ao vasto mundo, ao mundo sem limites dos que não vivem em túneis; e talvez tenha se aproximado por curiosidade de uma de minhas estranhas janelas e entrevira o espetáculo de minha inescapável solidão, ou tenha ficado intrigada com a linguagem muda, a chave de meu quadro. E então, enquanto eu avançava sempre por meu corredor, ela vivia, fora, aquela vida curiosa e absurda em que havia bailes, e festas, e alegria, e frivolidade. E às vezes coincidia de eu e passar diante de uma de minhas janelas e ela estar à minha espera, muda e ansiosa (por que à minha espera? por que muda e ansiosa?); mas às vezes ela não chegava a tempo ou se esquecia deste pobre ser enclausurado, e então, com o rosto apertado contra o muro de vidro, eu a via ao longe sorrir ou dançar despreocupadamente ou, o que era pior, não a via em absoluto e a imaginava em lugares inacessíveis ou vis. E então sentia que meu destino era infinitamente mais solitário que o imaginado".
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