segunda-feira, 23 de abril de 2012

Modus operandis

Minha infância foi em Miguel Pereira, pequena cidade serrana no interior do estado do Rio de Janeiro, logo após Japeri, última estação da linha de trem que liga o centro do Rio à baixada fluminense. Boa parte da minha família mora lá, e boa parte do que sou devo àquele lugar. Lá eu dei meu primeiro beijo na boca,  aprendi a diferenciar dorme-dormideira de outras ervas daninhas, e conheci o Raça Negra. Foi nos alpes da baixada que desejei um amor suburbano, um amor que esqueça o Brian Eno, o Leonard Cohen, o Sonic Youth e Londres. Que não saiba o que é hermenêutica, que não tenha visto nem um filme da Miranda July, e muito menos lido Kurt Vonnegut.
Quando estou no alto da serra, na cama que antes era um beliche, desejo dias de simplicidade extrema, onde usarei lingerie azul clara, sem ser de algodão, enquanto meu amor tem cuecas Zorba. No banho irei passar sabonete Francis, aquele que vem embaladinho em TNT, em seu peito peludo, para depois  fazer a higiene com Leite de Rosas, enquanto ele passa uma mistura de álcool com bicarbonato que deixa os pelos de suas axilas encantadoramente ruivos. Sentaremos lado a lado no restaurante, e nossas pizzas serão servidas à francesa. Enquanto abocanho um naco cheio de ketchup ele me olhará apaixonadamente, e eu de boca cheia vou sorrir timidamente. Meu celular vai ter uma foto dele como fundo de parede e o toque vai ser nossa música.  Vamos juntos a um show de pagode, e ele ficará atrás de mim, abraçado, cantarolando "Niguém te pertenceu / Ninguém te ama como eu" baixinho no meu ouvido. Vamos viajar de ônibus, levaremos lanche e vamos dividir o fone. Além disso, todas as vezes que eu subir na frente vou levar um tapa na bunda como demonstração de carinho. Da mesma forma, vamos andar de ônibus no perimetro urbano, em pé  e ele me encoxará e indagará: "Tá vendo como você me deixa?"
Vou chamar os irmãos de cunhados e ele chamará minha mãe de tia. Vamos torcer pelo mesmo time, e, quando ganharmos, comemoraremos uniformizados no motel. É nesses recintos que ele vai me chamar de mulher, dirá que sou para casar e afirmará que é o homem mais feliz do mundo. Aos domingos sentaremos juntos no sofá para assistir Pânico, e ele colocará a mão sobre a minha perna direita, puxando os pelinhos que por acaso são naturalmente loiros. Pegaremos no sono, e assim no prepararemos para uma nova semana. Serão dias de profunda simplicidade, mesmo que a realidade seja bem diferente e tudo isso não passe de fetiche ocasionado pelo ar rarefeito.

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