SENHOR BRETON, há palavras que trabalham e há outras preguiçosas, que existem simplesmente no seu lugar na frase, e aí ficam, sem se deslocar. Parece-me, no entanto, que a preguiça nas palavras - e coloco-lhe esta questão, senhor Breton - , que a preguiça não será tanto uma questão de imobilidade da palavra em sim, mas sim algo mais grave: o não fazer se mover quem a lê, é essa a palavra indolente. Preguiça no verso é, pois, não fazer o leitor trabalhar.
Há versos cobertos de suor e esforço que só provocam no leitor uma leve compaixão, um oferecer de um lenço azul-claro para secar a cansada testa das palavras.
Se as palavras chegam já fatigadas ao leitor, este só fará delas algo se for muito bonzinho, de bom coração, leitor de bons sentimentos. Ora parece-me, e talvez concorde com tal afirmação, senhor Breton, parece-me, dizia ( e o senhor Breton endireitou-se na cadeira e fez um ar sério), que leitores de bom coração não existem, isto supondo que os humanos são os únicos com o destino voltado para a literatura. Nunca vi um homem de bom coração a não ser nos versos maus, mas isto é apenas uma opinião, eventualmente amarga ou irônica, mas o que mais importa é saber exatamente onde começa um verso. Ou seja: será que o verso começa na primeira letra da primeira palavra desse verso? Não me parece.
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São as perguntas que complicam a realidade. Sem perguntas, a realidade seria simples - pensava o senhor Breton.
Mas a realidade não bastava, faltava a outra metade: a reflexão.
(O senhor Breton e a entrevista - Gonçalo Tavares - Ed. Casa da Palavra)
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