domingo, 12 de junho de 2011

A voz abafada dentro do peito

        São duas vozes distintas, e disso ninguém duvida. Às vezes, com sorte, uníssonas, porém na maior parte do tempo, contraditórias. A voz da nossa mente, aquela que diz o que é certo ou errado é mais presente e, até mesmo, mais forte que a do coração. Geralmente nos guiamos por ela, é mais prática, aparentemente lógica e, com isso, consegue controlar a sofreguidão dos assuntos coronários afetivos. Só que, tal qual na canção da banda Roxette,  é importante parar e ouvir a voz do coração de vez em quando.  Ela é uma espécie de bússola que aponta para direção não necessariamente certa, mas com certeza a dos sentimentos mais sinceros. Ao se deixar guiar por essa voz,  há uma grande chance do caminho ser longo, difícil e tortuoso, e  valer ou não à pena. Em ambos os casos a voz irá se silenciar, eventualmente, ou por estar de acordo e em paz, ou por ser esquecida.
         Esta semana estreou o filme "Blue Valentine", que vem gerando um certo bafafá de opiniões. Uma grande parte já viu antes mesmo de chegar aos cinemas (eu inclusive, por indicação de uma amiga, em Nova York), e uma boa parte está vendo agora.  As opiniões variam bastante, uns dizem que acharam o filme lindo, ou muito triste, ou muito real. Não vou ficar falando aqui dos muitos méritos e questões que o filme suscita, mas gosto de compará-lo com o outro filme também estrelado pelo Ryan Gosling (ui), "The notebook". Ambos falam sobre relacionamentos, só que em épocas muito diferentes e com personagens mais diversos ainda, principalmente na forma de amar. Em "Blue Valentine", Dean é um apaixonado, com seus defeitos, impulsividades e destrambelhamentos que se encantou por Cindy, uma moça que não ama como ele ( é só ver a relação dela com a filha, com o ex namorado, com o cachorro). Um é generoso no afeto e a outra não. É certo que ele foram felizes no início da relação, mas com as influências que vão acontecendo na vida de qualquer ser normal: trabalho, filho, contas, casa, ambições, pessoas novas... o casamento entra em crise e acaba. Ninguém muda sua essência radicalmente, ninguém se torna diferente, as mudanças ocorrem dia após dia, mas a forma de se entregar na relação perdura. No momento do início do relacionamento, onde tudo é leve, ele serviu, mas as qualidades que fizeram com que ela ficasse com ele são as mesmas que acabam por afastá-la. Para, quem sabe, salvar o casamento, ele teria que amar por dois. Como disse Poirot em Morte no Nilo: "Un qui aime et une qui se laisse aimer". É triste o filme, mas é, acima de tudo, um filme de como desistir diante de um problema, de como abrir mão do outro, de como só ouvir a voz da razão que tende para o egoísmo, e de como é difícil enxergar e suportar a fragilidade alheia.
         Já em "The notebook", filme recheado de clichês, onde gente com coração mole chora muito, dirigido pelo filho do Cassavetes e baseado na obra super bestseller de Nicholas Sparks, o desfecho é inverso.  Noah ama de forma tão passional quanto Dean (Blue Valentine), só que Allie o ama com a mesma intensidade. A história se desenrola através de uma série de desencontros, mas a tal voz do coração que falei lá em cima se faz presente o tempo todo. O que em um filme é resolvido com a separação peremptória, no outro é premissa, fica claro que as dificuldades são grandes, que as brigas são enormes, que ele é um matuto e ela uma chata, mas a vozinha está lá para ser escutada. Há uma cena da qual  eu particularmente gosto muito (não adoro este filme, mas acho bonitinho demais): quando ele diz para ela que sabe que vai ser duro, mas que tudo bem, ele vai enfrentar as desavenças para eles ficarem juntos, porque passaram-se 7 anos e ele não a esqueceu. Ela tem, no entanto, que fazer uma escolha: a escolha de não ouvir a voz da consciência. De alguma forma o que ele está dizendo para ela é  o começo do poema Amor do Drummond: "Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção. Pode ser a pessoa mais importante da sua vida".
      A realidade é que ninguém nunca entenderá o que faz você se apaixonar perdidamente por outra pessoa, muito menos escolher uma para viver ao seu lado, nem o porquê de um belo dia nada do que foi construído fazer mais sentido, e muito menos como alguém abandona a chance de um grande amor em nome de regras, convenções, éticas, distâncias, finanças e ambições. O que é certo é que a voz do coração está sempre lá, e sem ela, não se constroem lembranças e momentos belos - no final, é sempre isso que importa e que buscamos.


   Esse post só surgiu porque vi essa foto, e lembrei que este é um dos gestos que acho mais lindos e, até mesmo, sensuais, num casal.  Não sei descrever, mas é uma sensação de felicidade quando um homem te segura pelo rosto, de preferência com as duas mãos. Pode ser para te beijar, para te olhar, para pedir que você pare de falar, te acalmar ou, simplesmente te dar um beijo na testa. Não importa o motivo,  sempre fico emocionada e segura do sentimento do outro.


imagem e intenção semelhantes, há 159 anos. " A huguenot on St.Bartholomew's day refusing to shield himself from danger by wearing the roman catholic badge", John Everett Millais (1852).


Aproveitando o ensejo do dia: Feliz dia dos namorados para aqueles que estão felizes por terem seguido a voz do coração.

Um comentário:

VW Nonno disse...

"One of the most calming
and powerful actions you can do
to intervene in a stormy world
is to stand up and show your soul". É uma quote da Clarissa Pinkola Estés. Diz tudo.Há diferença em quem esconde a alma e quem a mostra. Disse Blake: "some are born to sweet delight, some to endless night". No mesmo poema em que fala que há eternidade num único momento e um mundo num grão de areia. Ouvir o coração, como diz vc, dá trabalho, é difícil e pode não ser feliz.Como saber, de antemão? Mas ousar transfigura de luz uma existência que, sem isso, fenece, de qualquer modo, murcha, mingua e se abate antes mesmo de encetar o vôo.
Também vi os filmes, e acho ambos tristes. Mas a tristeza do não diálogo é gelada como o cenário do motel, e muito diferente do calor da morte a dois de The Notebook. E, sim, eu sou uma chorona de filmes clichê.