Não me lembro como chegamos a este assunto. Estava eu, ali, sentada, como tem sido costume nas minhas quintas à tarde, quando começamos a conversar sobre distâncias - das físicas às mentais. Por um momento me desliguei de tudo que estava acontecendo, me transportei para vários lugares, vivi mil histórias durante alguns segundos, e só saí do meu transe privado, quando ouvi: “Este papo todo não vai chegar à lugar algum, você nunca vai sair daqui!”. Na verdade não saí do transe, eu despenquei dentro de uma sentença que gerou, rapidamente, raiva, vontade de chorar e, até mesmo, um impulso afirmativo. Com um galo na cabeça, e os olhos fixos na almofada de brocado, consegui balbuciar: “Se fossemos presos ao lugar em que nascemos, teríamos raízes como as árvores”. Um par de sobrancelhas se arquearam de forma inquisitiva, e eu para quebrar o clima cantei: “As árvores são fáceis de achar / Ficam plantadas no chão”. A nuvem pesada se dissipou sobre nós, até porque essa música é uma delícia, e eu pude esclarecer a metáfora.
Nascemos em um lugar que não escolhemos, e nos acostumamos a ele, chegando até a amá-lo. Todavia, desde que o mundo é mundo, os ciganos são ciganos, e o povo escolhido é o povo escolhido, temos a capacidade nômade de nos adaptarmos a outros espaços. O que difere os tempos atuais dos primórdios de nossos antepassados são os motivos que nos fazem levantar acampamento. E é justamente ai que reside a minha indignação com a sentença professada. Acredito e aceito a mudança, mas acredito ainda mais na razão para se mudar. Se ainda não houve um adeus de mala e cuia à Cidade Maravilhosa é porque não foi apresentado nada razoável o suficiente para que, tal uma Carlota Joaquina, eu sacuda meus – muitos - sapatinhos sobre a Guanabara. O dia em que, porventura, sinta que a oportunidade que me espera, seja ela de que ordem for, é real e forte o suficiente para largar a cidade que me faz sentir em casa, serei a primeira a marcar o meu próprio transplante. Afinal, não tenho raízes, pelo menos não grandes, e para onde quer que eu vá, quem sabe encontre uma boa razão para semear.
* Para a filha da Rosário, que foi corajosa em deixar sua mãe (que já faz tempo passa por um tratamento hardcore), para ir ao encontro do seu namorado de muitos anos, em Portugal.
Um comentário:
If we only have love
Then Jerusalem stands
And then death has no shadow
There are no foreign lands
If we only have love
We will never bow down
We'll be tall as the pines
Neither heroes nor clowns.
Letra by Jacques Brel.
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