quarta-feira, 2 de maio de 2012

Saudade é coisa fina

Eu acredito que, quando a saudade chega, é porque algo mudou na maneira como vemos o passado. De alguma forma, quando sentimos saudades, focamos somente nela, e é como se todos os mal entendidos passassem.
Muita coisa se passou nesse último ano. Muita coisa vem passando.
Desde ontem, quando a temperatura esfriou, a saudade chegou e se alojou em mim. Deve ser por causa do tempo. Nos conhemos no final do verão e começamos a namorar no início do outono, fazia frio, fiquei doente, como é de praxe em abril. Quando saí hoje de casa, usando casaco mesmo com o sol lá fora, lembrei do lençol preto que eu não gostava, da manta que o acompanhava há trinta anos, do aroma chiclete do carro que eu sentia no caminho de madrugada para casa, dos passeios nos sábados de sol, dos cafés aromatizados que ele fazia para mim quando acordava, de uma cueca verde gnomo que de tão lastimável me fazia rir. Foi impossível não recordar da sanha por padarias, do muquifo do amor na Augusta, dos flippers da Liberdade. Ontem à noite, no entanto, a imagem da rodoviária gelada às 6 da manhã surgiu, e junto com ela a cena que sempre se repetia: ele parado me esperando, pronto para dizer a célebre frase: "feliz que você está aqui".
Passou. As coisas passam, mesmo que lentamente, mesmo que fracionadamente.
Não tenho vontade de voltar para aquela época, de repensar as diferenças, de rever minhas decisões... não se trata desse tipo de saudade. Tudo foi finalizado da melhor maneira possível e o baile seguiu tocando músicas diferentes. Porém, quase completando dois anos, olho para trás e vejo que fui feliz naqueles meses, não sei se plenamente feliz, mas feliz. Durante todo aquele outono guardei um pequeno pedaço de mim dentro de uma caixa forrada de veludo verde para um dia viver uma fantasia. Esse pedaço fazia falta para ele, mas eu achava que não; como a maior parte de mim era dele, parecia o suficiente. Na minha cabeça aquela  parte pequena que carregava um sopro de vida próprio poderia permanecer guardada, esperando um desfecho previamente roteirizado. E foi assim que eu vivi aqueles três meses de frio e sol.
Neste mês de maio,  vejo que os outonos passam para dar lugar a invernos e assim por diante, e que as fantasias se esvaziam, dando espaços para outras. Hoje não há pedacinho meu guardado em nenhuma caixa, e talvez seja esse o motivo da saudade: o que ficou guardado não viveu o que o resto de mim viveu, e, só agora, na minha integridade atual, ou remanejamento de espaço, percebo que durante alguns meses tive a chance de ser plenamente feliz e optei por não ser.

Essa música entra aqui a título de registro, ela me lembra aquela época:



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