segunda-feira, 21 de maio de 2012

Missiva

Ato, ação, obsessão, entretenimento, comunicação, não sei.  Frutos de correspondências, ideias, palavras escolhidas, afetos camuflados, belas pontuações ( uma amiga uma vez disse: "Sinto tesão em vírgulas bem colocadas", todos na mesa consentiram). Meus pais se correspondem por cartas, minha mãe me escreve algumas, meu primeiro namorado fazia um jornalzinho personalizado para mim. Emma Goldman diz: "se não posso dançar não é minha revolução", eu diria que "se não posso me corresponder, então não é amor." Como se não bastasse as duas caixas abarrotadas de cartas e cartões, e dois emails coloridos por pastas de acordo com o remetente, gasto um tempo me infiltrando em mundos que não fui convidada, mas que me deram a chave. Dos autores que li, alguns adoraria que me escrevessem e me mandassem algumas palavras selecionadas em papel dobrado, por correio, afinal, estamos falando de palavras carregadas de simbolismo, e todo ritual é simbólico.

Fragmentos de três mundos distintos (para ser lido com lupa):

Robert Lowell para Elizabeth Bishop

Dearest Elizabeth B.:
I want you to know that you need never again fear my overstepping myself and stirring up confusion with you. My frenzied behavior during your visit has a history and there is one fact that I want to disengage from all its harsh frenzy. There’s one bit of the past that I would like to get off my chest and then I think all will be easy with us.
Do you remember how at the end of that long swimming and sunning Stonington day, we were talking about this and that about ourselves and you said, rather humorously yet it was truly meant, “When you write my epitaph, you must say I was the loneliest person who ever lived.” (...)

Mais aqui.

Gustave Flaubert para Mme. Anne-Justine-Caroline Flaubert

(...) Quanto a mim, assim como parti, assim voltarei, apenas com alguns cabelos a menos na cabeça e muitas paisagens a mais dentro. Isso é tudo. Quanto às minhas disposições morais, mantenho as mesmas até nova ordem. E depois, se é preciso dizer isso sobre o meu mais íntimo pensamento e sem que a palavra assuma um ar pretensioso demais, eu diria que estou velho, velho demais para ter que mudar. Já passei da idade. Quando se viveu como eu uma vida toda ítima, cheia de análises turbulentas e ímpetos contidos, quando se excitou tanto a si mesmo e se acalmou sucessivamente, e se empregou todas sua juventude a manobra a alma, como um cavaleiro faz com seu cavalo quando ele o força a galopar pelos campos, com a espora, a marchar em passos míudos, a saltar os fossos, a correr no trote e com o passo travado, apenas para se divertir e saber mais; o que quero dizer é que se não se quebra o pescoço no começo, há grandes chances de que não se quebre depois. Eu também, eu estou estabelecido, no sentido em que encontrei meu assento como centro de gravidade. Eu não pretendo que nenhum estremecimento interior possa me fazer mudar de lugar e cair por terra. O casamento seria para mim uma apostasia que me assusta. (...) Cartas exemplares - Gustave Flaubert - Ed. Imago 

 Zelda Fitzgerald para Scott

(...) Isso foi o que dissemos na doçura daquela noite imensa do Alabama, muito tempo atrás, quando você me convidou para cear, e eu nunca tinha ceado antes, até então eu só "jantava". O Genereal não estava. Fazia uma noite amena e cinza, as árvores eram penungetas á luz dos postes, os recessos obscuros do pinheiral recendiam aromas do passado e você disse que voltaria, de onde quer que estivesse. E eu falei que estaria ali, à espera. Na hora não acreditei muito nisso, mas agora acredito.
E assim foi que, anos mas tarde, pintei para você um quadro com algumas papoulas fiéis e o quadro dizia " Não importa o que houver, eu sempre o terei amado muito. É assim que me sinto a respeito de nós, novas emoções podem se sobrepor, até acidentes  podem dar outro aspecto a nossas emoções, mas este é nosso amor e nada poderá mudá-lo. Porque essa é a verdade". E eu o amo ainda.
Fui eu quem disse:
Sinto como se algo tivesse acontecido e não sei o que é.
Você disse:
- Bem. Depois sorriu. (E foi um elogio para mimporque você nunca tinha ouvido bem usado dessa forma.) Se você não sabe, eu e que não poderia saber.
E eu então falei "Acho que ninguém sabe -
E
você torceu e eu adivinhei que
Tudo iria dar certo - 
De modo que nos casamos -
E talvez tudo acabe dando certo, no fim das contas.
Há tantas casas onde eu gostaria de morar com você. Não quer ser meu - de novo - e uma vez mais -
Meu amor querido, eu o amo
Zelda
Felizes, felizes, para todo o sempre - da melhor forma que deu.
Querido Scott, Querida Zelda - As cartas de amor de Scott e Zelda Fitzgerald. Organização de Jackson R. Bryer & Cathy W. Barks - Ed. Cia das letras.
 
* Não sei porque tudo esta mini, mas sei o quanto é difícil aceitar isso quando se tem TOC.




 

Nenhum comentário: