sábado, 4 de setembro de 2010

Pavor e amor

Vista área de SP - 2006 - aeroporto de Guarulhos

São Paulo. Não me lembro o ano em que fui para São Paulo a primeira vez, mas algo me diz que foi em 1992. Na época, meu pai estava cantando uma Ópera "Pagliacci", no Teatro Municipal de São Paulo, e ficou quase um mês hospedado no Othon, nas proximidades da rua Augusta. Fui de ônibus com a minha mãe, tinha ganhado o cd Erótica da Madonna, que logo passei para fita K7, e não sei o porquê, mas uma imagem bem clara guardo na memória: ouvia Rain enquanto o ônibus passava pelos lagos do Vale do Paraíba. Acho que fiquei um fim de semana, comi no restaurante Famiglia Mancini, tomei banho de piscina enquanto pensava que queria ter ficado no Ceasar Park, que foi onde a Madonna ficou hospedada quando fez um show em terras paulistanas. Além disso, conheci o shopping do Gugu, espécie de bunker de consumo trash, nos arredores do centro da cidade. Depois dessa ida, fui pouco depois pelo mesmo motivo, ver meu pai cantar. Diferente da primeira, foi para SP que fiz minha viagem inaugural de avião, de Varig ainda, com direito a serviço de bordo. Um senhor do meu lado cedeu seu lugar à janela, para que eu pudesse apreciar o espetáculo do adeus à Guanabara. Como forma de retribuição, pisei na unha encravada dele, e minha mãe quis me matar. Nessa segunda vez, ficamos no Hotel C'a D'oro, hotel de luxo também na rua Augusta, onde todo dia era presenteada com um chocolate Alpino no meu travesseiro. Dessa viagem, não me recordo muita coisa, a não ser uma janta pós espetáculo, no Esperanza, onde pedi catchup para minha pizza, e quase fui apedrejada por tamanha heresia.
Passaram-se alguns anos até retornar. Se não me falha a memória, voltei em 1996, também no C'a D'Oro, também vendo meu pai cantar, e estreando a primeira Bienal de Artes. Tinha 13 anos, o pavilhão do Ibirapuera era algo grande, com vídeos que emitiam sons estranhos, muita gente, muitas obras, a famosa bandeira do Japão no meio do primeiro pavimento, e muitos artista como: Munch, Goya, Klee, Warhol, que só conhecia de livros, revistas e enciclopédias (a internet não era algo acessível para grande maioria).
Foi a Bienal de Artes o meu pretexto para visitar a cidade em 1998, em uma viagem muito rápida! Eu, meu pai e minha mãe pegamos um avião, fomos para a Bienal, almoçamos no Lelis, e voltamos no meu primeiro ônibus-leito. A Bienal de 1998 trouxe para o Brasil quadros do Van Gogh, na época meu pintor favorito ( por conta disso comprei uma penca de souvenirs, que guardo até hoje).
Mais uma pausa longa e, quando retornei, foi a vez que vi uma São Paulo sombria, que, até então, no meu imaginário de pequena carioca na grande cidade, não existia. Fui sozinha ver meu pai cantar um concerto de Mozart. Era época do sucesso "Sai de baixo", e coincidentemente ficamos no Largo do Arouche, no coração de SP, do lado onde cruza a Ipiranga com a S. João, no Hotel São Raphael. Cheguei em um sábado de manhã e meu pai disse: "Preciso resolver umas coisas na cidade, vamos passear e na volta te levo em uma galeria que acho que você vai gostar". Cruzamos a praça da República, antro do crack, passamos pelo Teatro, caímos no Largo São Bento, onde uma menina dançava vestida de bruxa, e homens se tatuavam no meio da rua com canetas Bic. Subi o Viaduto do Chá, vi mil carrocinhas com pipocas vermelhas, que por sinal, nunca me apeteceram, e de ônibus, entrando pela frente e saindo por trás (no Rio era o inverso na época), conheci a Galeria Ouro Fino. No brechó que até pouco tempo atrás ainda existia, meu pai me deu um vestido de helanca modelo original dos anos 60, e foi lá que vi, pela primeira vez, uma moça clubber com dentes lixados como se fossem todos caninos. Nessa viagem eu conheci o Morumbi, e vi o poder da internet: a filha da amiga do meu pai me mostrava sites de como se tornar pagã, e seu círculo de amigos virtuais pró Wicca. Foi também nesta viagem que senti o silêncio da cidade grande, a opressão de uma vista cheia de concreto, e o poder desolador de ouvir "Pour Elise" em um domingo de manhã, vindo de um caminhão de gás. Essa foi a última vez que fui com meus pais para São Paulo. Todas as outras fui com amigos, e a cidade gigante, com boas baladas e restaurantes, exposições, consumo, prostituição, gente esquisita, japoneses, se mostrava cada vez mais hipnotizante. Eu nunca soube onde eu estava lá.
Já faz tempo minha relação com o centro nervoso do Brasil se estreitou, amigos queridos fizeram a opção de morar lá, meu namorado mora lá, tenho visitado a cidade mais do que nunca. Continuo perdida, no entanto: é como se fosse uma viagem para o exterior, não me sinto em casa, de alguma forma ela me angustia, e muito. Seu ritmo, suas atividades mis, seus vários centros, marginais, pessoas marginais, tudo é diferente da bucólica Zona Sul carioca. Lá não caio no mar ou na lagoa, caio em um mundo que abre para vários outros, como em um labirinto de possibilidades, e onde é necessário fazer escolhas o tempo todo, o que me faz sentir sozinha.
Talvez seja isso: São Paulo me remete a solidão. E, no fundo, gosto de me sentir sozinha, ou perdida, ou simplesmente flanar por diversos cantos, para no fim me apaixonar, ou não. Hoje em dia, olhando em retrospecto, posso dizer que gosto de São Paulo, de uma maneira que não sei bem qual é. Toda às vezes que vou para lá, sinto um frio na barriga. Acho que é esse frio e essa estranheza que me fazem querer voltar. Quem sabe um dia eu encontre um sentido na cidade com nome de ruas em tupi-guarani.
Sinceramente, espero não encontrar, só assim tenho a certeza que sempre voltarei .

Deixo aqui, o trecho final do livro "Como desaparecer completamente" do escritor André de Leones. Acabo de ler, e, de alguma forma, acho que ele captou bem todo o incômodo da cidade. Através das histórias dos seus personagens, que sutilmente se tangenciam, como é na vida real: cada um com suas histórias, todos nós temos as nossas, mas somos tantos, e passamos por tanta gente, que nunca saberemos. Somos desconhecidos da maioria, e quase ninguém quer saber o que se passa na verdade. Em cidades grandes somos milhões, milhões de pessoas zumbis, que se esbarram e seguem adiante. Um bate-bate humano - encosta, para, não deixa marcas, gira e vai em frente. O trecho em questão, achei lindo:


"São Paulo"
" É..."
" O que você sabe dela?"
"Como assim?"
" Quando você pensa em São Paulo, no que você pensa? O que você sabe?"
Marcelo pensou um pouco e disse:
"Não sei"
" Não te ocorre nada?"
" Assim... sei que um dia eu passava pelo viaduto do Chá, era um domingo à tarde, eu voltava de uma festa de aniversário ali perto, enfim, eu passava pelo viaduto, meio bêbado, o lugar todo vazio, e resolvi sentir a batida da cidade ou coisa que o valha. Ideia de bêbado."
"O que você fez?"
"Feito um índio de filme americano, eu me abaxei e colei o ouvido no chão".
" E o que você ouviu?", Liberdade perguntou, rindo muito.
"O mar", Marcelo respondeu. " Acho que ouvi o mar".

E, aqui, uma música que eu acho que tem a ver:

Um comentário:

Dissolvida disse...

são paulo me dá essa mesma sensação de pavor e amor. me atraí de uma forma que não consigo verbalizar muito bem. é tão grande que me dá certa claustrofobia e frio na barriga, borboletas no estomago, ansiedade e euforia. tudo misturado!
sempre volto de lá melhor que quando fui. parece que sempre volto mais leve e mais feliz. acho q o peso que são paulo tem ajuda a tirar o peso que as vezes carregamos. amor e pavor.