quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Fragmentos de uma afogada


" There is a silence where hath been no sound
There is a silence where no sound may be
In the cold grave, under the deep deep sea"
Thomas Hood (1799-1845)

Um dia me falaram que eu não podia me afogar. Que para viver aquela história que surgia em capítulos, era necessário boiar e nadar. Ouvi atentamente, confiei nas modalidades crawl, peito e costas, e continuei criando mundos imaginários, fazendo pouco caso da correnteza, ou do cansaço de bater braços e pernas simultaneamente. Nem sempre é prudente confiar demais nas nossas capacidades. Foi assim que me afoguei, e quando meus pulmões já estavam fraquejando, emergi e tive que fazer a escolha de abrir mão daquilo que me puxava para o fundo.
A ordem de "é proibido se afogar" surgiu do livro "Formas Breves", do escritor argentino Ricardo Piglia. Em um dos seus capítulos, Piglia faz uma relação entre a literatura e a psicanálise, e um dos exemplos escolhidos por ele é de uma poética belíssima: James Joyce enquanto escrevia Finnegans Wake, preocupava-se com sua filha Lúcia, que mostrava perturbações mentais. Querendo ajudá-la e entendê-la,  começou a incentivar que ela escrevesse, e procurou ajuda do Jung, afirmando que o que ele Joyce escrevia, era o mesmo que sua filha escrevia. Jung, de posse de um texto feito por uma pessoa debilitada, diz para Joyce: "Mas onde você nada, ela se afoga".
Hoje, pensando nas quantidades d'água que engoli, ainda me pego lembrando muito do meu afogamento. Sinto uma falta enorme do tempo em que eu nadava, sinto saudades de boiar, e da leveza que temos dentro d'água. Sinto saudades de brincar de nado sincronizado, e de fazer gestos com o braços enquanto observo a água passando pelos dedos. O medo ficou, o trauma existe, e minha espontaneidade e intimidade com a água nunca mais será a mesma. Por um pequeno descuido, me afoguei.
Quando falo em afogamento, sempre me lembro do filme " O piano" e da cena final, onde em um impulso mórbido, Ada coloca o pé no meio da corda e se deixa afogar junto com o piano. Entendo este impulso. Mesmo tendo nadado para não morrer,  ainda tenho vontade de afundar junto com a minha fantasia, para depois, quem sabe, emergir. No momento, ela ainda guarda um sapatinho meu que me faz muita falta.

" The piano is carefully lowered and with a heave topples over. As the piano splashes into the sea, the loose ropes speed their way after it. Ada watches them snake past her feet and then, out of a fatal curiosity, odd and undisciplined, she steps into a loop"

" What a death!
What a chance!
What a surprise! My will has chosen life!?"

" At night I think of my piano in its ocean grave, and sometimes of myself floating above it. Down there everything is so still and silent that it lulls me to sleep. It is a weird lullaby and so it is; it is mine"





Um comentário:

VW Nonno disse...

Ofélia, louca e afogada. Primeira de 5 séries no Youtube com representações artísticas inspiradas na doce noiva de Hamlet.
http://www.youtube.com/watch?v=rGLWzjQz0JM