quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Os parênteses eram a minha salvação

Foi assim que passei a ir no consultório do doutor Simão (que não se chamava Simão: aquele era o apelido que escolhi para ele, pronunciando sim-não sem que ele percebesse). Eu me sentava na poltorna e tirava coisas escondidas na parede. Mentia bastante no início, depois passei a entender que as mentiras tinham importância. É um desejo, a mentira, igual aos outros, doutor Simão esclareceu. E então destruí de vez a cerca que separa da verdade.
A minha única sugestão é que você fale tudo. Até essas coisas que você põe entre parênteses, ele recomendava.
Eu ria.
Os parênteses eram a minha salvação. Um espólio que eu punha à parte para dar uma nova chance a tudo que já parecia decidido. É onde guardava o meu pai, a minha mãe e os meus irmãos.
Pelo tempo que eu vivesse, repliquei, esses vãos estariam abertos.
O risco é que eles tomem muitas importância e deixem de ser uma segunda história dentro da história, disse o doutor, que era severo com isso.
Não há duas histórias, pensei em corrigi-lo. O que digo aqui é com voz de ventríloquo. O único perigo é alguém olhar de fora e me enxergar no centro. Seria um engano.
Um bom médico ele, mas péssimo leitor, no final das contas.

A vendedora de Fósforos - Adriana Lunardi.

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