O transtorno de estresse pós-traumático pode ser entendido como a perturbação psíquica decorrente e relacionada a um evento fortemente ameaçador ao próprio paciente ou sendo este apenas testemunha da tragédia. O transtorno consiste num tipo de recordação que é melhor definido como revivescência, pois é muito mais forte que uma simples recordação. Na revivêscencia, além de recordar as imagens, o paciente sente como se estivesse vivendo novamente a tragédia com todo o sofrimento que ela causou originalmente. O transtorno então é a recorrência do sofrimento original de um trauma, que além do próprio sofrimento é desencadeante também de alterações
neurofisiológicas e mentais.
A verdade é que eu não quero ir. Só de pensar que daqui a uma semana vou reviver todo o trajeto de um ano, pegar um táxi de madrugada, vagar com a minha mala por aquela rodoviária insalubre, escolher através de critérios absurdos como: conteúdo do lanche, espessura da manta ou espaço para as pernas, a companhia de ônibus que me arrastará, durante 6 horas, a um destino não desejado, sinto um aperto no peito, tenho pesadelos e não consigo controlar as lágrimas que brotam. Uma mistura de ansiedade e medo surge quando me vejo novamente lá, de manhã cedo, ante a ameaça de um nascer de sol lindo por conta da poluição baixa. Arrepios percorrem minha espinha ao pensar no táxi tocando uma música sertaneja enquanto tento disfarçar meu 's' puxado ao pronunciar nomes de ruas em um dialeto no qual não fui alfabetizada. Basta fechar os olhos, não preciso estar lá para lembrar dos passarinhos do Anhanguera que piam incessantemente às 6 da manhã. Não há beleza naquele piar uníssono, pelo contrário, há um pedido de socorro bem claro, ao menos para mim.
Minha vontade é não ir. Sim, eu tenho pavor de você, cidade de brasileiros trabalhadores solitários. Você é agressiva comigo, e eu retribuo com toda a aversão de ex-capital-balneário-mais-ao-norte-malandra que me cabe. Não gosto da "poesia concreta de suas esquinas", seu cenário é triste, seu ar é rarefeito, usar calça comprida não te faz mais respeitável, e sua cultura nipo-tupi-carcamana simplesmente não encontra eco em mim. Não sinto prazer em ficar em fila, seus taxistas são grossos, seu trânsito é exaustivo, nada acontece no meu coração quando "cruzo a Ipiranga com a São João", a não ser o terror que um noinha venha me assaltar. Suas antenas me lembram Gotham City, para todo lado que olho só vejo cemitério e, pasme, antes a chuva do que o sol que te transforma em um sertão de concreto. Lugar do feijão é em cima do arroz, vista bonita não é para viaduto, gratuito nunca teve acento agudo na letra 'i', aliás, concordância nominal existe, e por favor parem de me chamar por apelido que não dei intimidade para.
Todavia, não tenho escolha, tenho que ir. Será a quarta vez este ano, todas as outras três me senti uma intrusa, e você, grande babilônia, não fez nada para amenizar essa sensação, pelo contrário, só piorou. Sinceramente, espero que dessa vez a vontade de fugir não surja no segundo dia, gostaria até que ela não aparecesse, para ser franca. Vou em missão de paz, um pouco temerosa, bastante traumatizada, mas disposta a fazer as pazes. Em toda relação de ódio existiu de certa forma amor. Talvez seja isso, eu te amei São Paulo, e você me tratou com a indiferença que trata todos que te procuram: como só mais uma.
Para você terra da garoa, a música que me faz lembrar do seu silêncio:
** Esse texto é ficcional, não tendo a intenção de ofender ninguém e nem de ser preconceituoso. Utilizo clichês propagados no eixo RJ- SP para ilustrá-lo que não necessariamente condizem com a realidade.**
2 comentários:
Se é ficção, tem cara de realidade. Acabo de me identificar inteiramente com esse texto. Concluí que tenho as mesmas sensações quando estou lá. Coincidentemente, neste momento, estou lá. Mas disfarço...
Gosto da terra da garoa, ela sempre me acolhe bem ,desde pequena. Não é minha terra, mas Frankfurt também não é. Simples assim.
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